MATÉRIA TÉCNICA: Lixo não existe – Texto do diretor da AEAN e secretário de Meio Ambiente de Araçatuba, Lucas Savério Proto

*Lucas Savério Proto

O significado da palavra lixo nos remete à necessidade de sabermos o que realmente significa “jogar fora”. Lixo nos remete a algo que esteja em processo de putrefação ou algo que não nos sirva mais. Trata-se de engano ou tabu sobre um dos esteios da sustentabilidade.  Historicamente, as civilizações com o crescimento populacional dentro de nichos menores foram absorvidas por outras de nichos maiores. Depois de muito sofrimento saindo de condições semissedentárias, com agricultura de subsistência e consumo dos recursos naturais disponíveis nos seus caminhos, muitos retornaram ao estado de povos nômades até seu fim ou até encontrarem outra civilização que os acolhessem ou tolerassem.

A destruição desses nichos com seus recursos naturais, nos ensinaram que as nascentes, os frutos silvestres e as caças se acabam com o desmatamento, que o solo fértil agricultável se esgota, se tornando infértil por falta de cuidados e de controle. Ainda assim, até pouco tempo, reaproveitávamos muitos elementos que hoje consideramos lixo, e tínhamos menos resíduos sobressalentes (embalagens, por exemplo).

Em três séculos, a nossa civilização moderna tomou um rumo de costumes de consumismo exacerbado e descartes de elementos inservíveis, dentro de uma cadeia sistêmica que garante a salubridade pública e sua continuidade retirando do contato direto dos aglomerados urbanos não apenas o esgoto, como também o lixo. Isso ajudou no desenvolvimento de assentamentos humanos sem as mortes oriundas das continuadas epidemias de doenças geradas pelo contato com o esgoto e com o lixo.

Porém, acumulamos problemas ambientais exponenciais no nosso mundo, que vêm aumentando exponencialmente após a revolução industrial e hoje, já ficam evidentes, os impactos em nível global do acúmulo de resíduos descartados no nosso pequeno mundo, como as ilhas de lixo nos oceanos, o aumento fractal da mortandade da flora e fauna marinha por contato com resíduos ou mesmo as moléculas de nano e de microplásticos que estão sendo encontrados misturados na areia de muitas e muitas praias no mundo, bem como a contaminação com chorume de lençóis freáticos que antes era de água mineral potável e hoje apenas água contaminada.

Isso sem contar a emissão crescente de gases de efeito estufa na atmosfera oriundos do processo de putrefação dos resíduos não-inertes, sendo o metano um dos gases que mais contribuem para o aquecimento global. Isso tudo sem contar os milhares de hectares de solo que era fértil que poderiam servir à agricultura por milênios e agora está totalmente contaminado de chorume e enterrado sobre metros de resíduos contaminantes com altos índices cargas microbiológicas.

Hoje se mostra inviolável a demanda de cada indivíduo que habite o mundo, reconhecer que este planeta não cresce em tamanho, pelo contrário, ele praticamente diminui em recursos naturais que possibilitem a sustentabilidade de nossa população crescente. O acúmulo descontrolado de lixo na natureza e o seu processo de fermentação vêm causando a cada dia mais e mais contaminação química e biológica que alteram significativamente o clima com a emissão crescente de metano.

O plástico descartado e arrastado pelo sistema de águas pluviais até os córregos, lagoas, rios, reservatórios e, por fim, chegando ao mar acumulam problemas crescentes para a fauna e flora subaquática e marinha com extinções de diversas espécies por ano, criando um desequilíbrio maior com reflexo global. Ele destrói exponencialmente o equilíbrio ecológico e climático do planeta e promove o aumento dos gases de efeito estufa que são advindos da putrefação que acompanha esse aumento, diminuindo a capacidade de processamento dos gases naturalmente feito pelos fitoplanctons.

Esse processo contribui para o aumento da acidez dos oceanos o que causa alterações exponenciais no ecossistema e no clima; este mesmo plástico quando enterrado pode levar mais de 500 anos para entrar em degradação, assim como outros elementos que levam muito mais tempo para degradar, como a borracha, ou mesmo o vidro que provavelmente dura milhões de anos.

Com tudo isso, estamos em um paradigma crítico no qual criamos cada dia mais expectativa de consumo que aumenta a pressão ambiental sobre o nosso mundo. Ao mesmo tempo, contamos em muitas cidades com tratamento integral de esgoto, aterramento sanitário, aproveitamento da queima dos gases da putrefação direta do lixo, coleta seletiva etc. Devemos considerar ainda que o lixo doméstico tem poder calórico que favorece a sua queima integral.

Por fim, o lixo não é exatamente lixo, mas sim resíduos sólidos com seus valores que não nos serve diretamente, mas que podem contribuir com a humanidade em novos ciclos de uso ou reciclagem. É preciso levar em conta que absolutamente tudo está em processo de transformação, leve o tempo que levar, desde nosso organismo, os vegetais que comemos ou que nos cercam até os continentes que estão em processos de movimento.

Por isso, nada mais temos que duvidar ou vilipendiar a gestão adequada de nossos resíduos e sim cuidarmos do lixo no lixo e não no chão ou na natureza, separar os resíduos secos e destinar adequadamente para a coleta seletiva das nossas cidades. Devemos cobrar do poder público a adequação moderna e a melhoria no tratamento dos resíduos de nossos municípios de acordo com as tecnologias modernas atuais e as vindouras, para assim aumentar e atualizar nossos sistemas que garantam a sustentabilidade da humanidade na Terra.

Neste sentido, tanto a AEAN (Associação dos Engenheiros e Arquitetos da Alta Noroeste) quanto o CREA-SP (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Estado de São Paulo) têm como função ajudar a valorizar os profissionais de engenharia envolvidos com o desenvolvimento sustentável, não só indiretamente, mas ao propiciar palestras, cursos, congressos, debates, e outros tipos de eventos. Dessa forma, promovem o aperfeiçoamento da classe e valorizam os profissionais, garantindo assim melhores atividades. No caso específico do CREA-SP, além disso verifica, orienta e fiscaliza as atividades dos profissionais tendo em vista o objetivo de defender a sociedade das práticas ilegais do sistema.

*Lucas Savério Proto é diretor da AEAN (Associação dos Engenheiros e Arquitetos da Alta Noroeste) e secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Araçatuba (SP)

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